domingo, 17 de maio de 2009

Que congruência?

De onde vem o maravilhamento que sentimos diante de certas obras? A admiração nasce com o primeiro olhar, e, se descobrimos depois, na paciente obstinação que demonstramos em encontrar suas causas, que toda essa beleza é fruto de um virtuosismo que só se detecta escrutando o trabalho de um pincel que soube domar a sombra e a luz e restituir, magnificando-as, suas formas e texturas - jóia transparente do vidro, grão tumultuado das conchas, aveludado claro do limão -, isso não dissipa nem explica o mistério do primeiro deslumbramento.
É um enigma sempre renovado: as grandes obras são formas visuais que atingem em nós a certeza de uma adequação imtemporal. É profundamente pertubador o modo como certas formas, sob o aspecto particular que lhes dão seus criadores, atravessam a história da Arte e, em filigrama do gênio individual, constituem outras tantas facetas do gênio universal. Que congruência entre em Claesz, um Rafael, um Rubens e um Hopper? Apesar da diversidade dos temas, dos suportes e das técnicas, apesar da insignificância e do efêmero de existências sempre fadadas a ser apenas de um só tempo e de uma só cultura, apesar também da unicidade de todo olhar, que nunca vê senão o que sua constituição lhe permite e que sofre com a pobreza de sua individualidade, o gênio dos grandes pintores penetrou até o coração do mistério e exumou, sob diversas aparências, a mesma forma sublime que procuramos em toda produção artística. Que congruência entre um Claesz, um Rafael, um Rubens e um Hopper? O olhar aí encontra, sem ter de procurar, uma forma que desencadeia a sensação da adequação, porque ela aparece para cada um como a própria essência do Belo, sem variações nem reserva, sem contexto nem esforço. Ora, na natureza-morta do limão, irredutível à maestria da execução, fazendo jorrar a sensação da adequação, a sensação de que é assim que isso devia estar disposto, permitindo sentir a força dos objetos e suas interações, manter através do olhar a solidariedade deles e os campos magnéticos que os atraem ou os rejeitam, o laço inefável que os tece e gera uma força, essa onda secreta e inexplicada que nasce dos estados de tensão e de equilíbrio da configuração - fazendo jorrar, portanto, a sensação de adequação, a disposição dos objetos e dos pratos atingia esse universal na singularidade: o intemporal da forma adequada.

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