sábado, 2 de maio de 2009

História do Pranto

É muito tarde. A casa está amordaçada pela escuridão. Levanta-se da cama, apanha o exemplar de La causa peronista e sai de seu quarto. Atravessa o longo corredor escuro que, quando menino, a tal ponto o apavora, que não parece separar, mas sim excluir seu quarto do mundo. Embora já não tenha medo, o método que usa - caminhar tocando as duas paredes do corredor com as palmas das mãos - é o mesmo que descobre e põe em prática aos seis, sete anos, quando a distância que adivinha que há entre seu quarto e o resto da casa é a mesma que há nos filmes de ficção científica entre a cápsula que permance boiando no espaço e a nave que acaba de expulsá-la. Faz um ele, chega ao quarto de sua mãe, encontra a porta aberta. Não está aberta há muito tempo, como o provam a condição fresca do ar, que, recém-removido, ainda vibra, e a placa de "Não pertube", que ainda oscila pendurada no trinco, lembrança de um hotel e de uma viagem e de uma felicidade que já entraram para a história do que não se repetirá. Bate do mesmo jeito, de leve, menos para alertar sua mãe do que para justificar a ousadia que empreende, e entra. Reconhece com os pés o tecido suave de uma meia, lenços de papel, um livro aberto de borco, óculos que rangem, frascos com pílulas. Busca às cegas o interruptor, e quando está prestes a acendê-lo, ouve a voz de sua mãe, uma voz sufocada que parece vir de muito longe. "Não quero luz", diz. Percebe que ela está sozinha na cama e senta-se na beira e espera com a revista na mão enquanto a ouve chorar na escuridão.

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