quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Prólogo

Casa do Templo
20h33

O segredo é saber como morrer.
Desde o início dos tempos, o segredo sempre foi saber como morrer. O iniciado de 34 anos baixou os olhos para o crânio humano que segurava com as duas mãos. O crânio era oco feito uma tigela e estava cheio de vinho cor de sangue.
Beba, disse ele a si mesmo. Você não tem nada a temer.
Como rezava a tradição, ele havia começado aquela jornada vestido com os trajes ritualísticos de um herege medieval a caminho da forca, com a camisa frouxa deixando entrever o peito pálido, a perna esquerdaa da calça arregaçada até o joelho e a manga direita enrolada até o cotovelo. De seu pescoço pendia um pesado nó feito de corda - uma "atadura", como diziam os irmãos. Nessa noite, porém, assim como os companheiros que assistiam à cerimônia, ele estava vestido de Mestre.

Trecho do livro: O Símbolo Perdido de Dan Brown.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Zarité

Eu, Zarité Sedella, do alto dos meus quarenta anos, posso dizer que tive mais sorte do que as outras escravas. Vou viver muito e a minha velhice será feliz porque a minha estrela - minha z'etoile - brilha também quando a noite está nublada. Conheço o prazer de estar com o homem escolhido pelo meu coração quando as suas mãos grandes despertam a minha pele. Tive quatro filhos e 1 neto, e os que estão vivos são livres......

Trecho do livro: A Ilha Sob o Mar de Isabel Allende.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Cem anos de solidão

Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como óvos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo. Todos os anos, pelo mês de março, uma família de ciganos esfarrapados plantava a sua tenda perto da aldeia e, com um grande alvoroço de apitos e tambores, dava a conhecer os novos inventos. Primeiro trouxeram o ímã. Um cigano corpulento, de barba rude e mãos de pardal, * que se apresentou com o nome de Melquíades, fez uma truculenta demonstração pública daquilo que ele mesmo chamava de a oitava maravilha dos sábios alquimistas da Macedônia. Foi de casa em casa arrastando dois lingotes metálicos, e todo o mundo se espantou ao ver que os caldeirões, os tachos, as tenazes e os fogareiros caíam do lugar, e as madeiras estalavam com o desespero dos pregos e dos parafusos tentando se desencravar, e até os objetos perdidos há muito tempo apareciam onde mais tinham sido procurados, e se arrastavam em debandada turbulenta atrás dos ferros mágicos de Melquíades. "As coisas têm vida própria", apregoava o cigano com áspero sotaque, "tudo é questão de despertar a sua alma".

Trecho do livro Cem Anos de Solidão de Gabriel García Márquez.